Áudios
obtidos por ISTOÉ indicam que o governo Beto Richa atuou para favorecer a
Odebrecht em obra bilionária e reforçam inquérito contra o ex-governador do
Paraná, hoje nas mãos do juiz Sergio Moro, que o acusa de receber R$ 2,5
milhões da empreiteira por meio de caixa dois
Ary Filgueira
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JOGO DE CARTAS MARCADAS Diálogo revela que o ex-governador Beto Richa tinha um acerto com empreiteira envolvida na Lava Jato (Crédito: Silvia Costanti) |
Ao renunciar ao governo do
Paraná para disputar uma vaga no Senado, o tucano Beto Richa perdeu o foro
privilegiado, e como consequência imediata, um dos inquéritos da Lava Jato
contra ele foi parar nas mãos do juiz Sergio Moro. Na semana passada, o
Superior Tribunal de Justiça enviou à primeira instância a investigação que
apura se a campanha à reeleição de Richa em 2014 recebeu R$ 2,5 milhões da
Odebrecht via caixa 2. Áudios que estão em poder do Ministério Público Federal,
e obtidos com
exclusividade por ISTOÉ,
complicam ainda mais a situação do ex-governador.
Em uma das conversas, o
então chefe de gabinete de Richa, Deonilson Roldo, revela a negociata com a
Odebrecht justamente em torno da obra que teria lhe rendido milhões em recursos
para a campanha, por meio do caixa paralelo.
No
diálogo, Roldo tenta convencer Pedro Rache, diretor-executivo da Contern, uma
construtora do grupo Bertin, a desistir da licitação para duplicação da PR-323,
pois, segundo o chefe de gabinete, a obra já estaria prometida para a
Odebrecht. O encontro foi realizado em 24 de fevereiro de 2014 dentro do
Palácio Iguaçu, sede do Governo do Paraná.
No
diálogo, braço-direito de Richa coage empreiteiro a desistir da
licitação para duplicação da PR-323. Segundo ele, a obra já estaria prometida
para a Odebrecht
A
licitação da PR-323 foi a primeira parceria público-privada (PPP) realizada
pelo governo estadual. Um negócio de R$ 7 bilhões para concessão de pedágio e
duplicação de 207 km de uma importante rodovia estadual que corta as
regiões norte e noroeste do estado. A Contern tinha interesse no contrato.
Passou quase dez meses desenvolvendo uma proposta comercial. Mas, na conversa
realizada no Palácio Iguaçu, a empresa foi coagida pelo chefe de gabinete
de Richa a abrir mão da licitação em favor da Odebrecht.
Deonilson
Roldo, fiel escudeiro e braço-direito de Richa há mais de 15 anos,
foi claro. “A gente tem um compromisso nessa obra aí. Queria ver até
onde a gente pode entrar para que esse compromisso não seja
desrespeitado”, afirmou Roldo, conforme o áudio. Rache entendeu o recado.
Em diversos momentos da conversa, ele deixa claro o interesse em atender ao
pedido do governo e desistir da licitação. Para isso, precisaria
consultar um grupo italiano que trabalhava com ele, pois não poderia tomar
a decisão sozinho.
Em contrapartida pela desistência da Contern na PR-323, Roldo ofereceu ajuda do
governo em outro negócio de interesse do Grupo Bertin no Complexo de Aratu, no
litoral da Bahia. Ali, o Grupo Bertin possuía seis usinas térmicas, mas
enfrentava dificuldades para tocar os projetos e buscava um parceiro. A Copel,
companhia de energia elétrica do Paraná, foi procurada. Se a Contern desistisse
da PR-323, em benefício da Odebrecht, Roldo poderia desenrolar a
negociação com a Copel, num valor próximo de R$ 500 milhões. “O grupo tem uma
negociação com a Copel em andamento. Então a gente queria ver em paralelo esses
negócios…”, afirmou.
Novamente,
Rache não enxergou problemas na oferta e se comprometeu a conversar com os
conselheiros italianos.
Mas fez um pedido ao chefe de gabinete: que se ampliasse o prazo para entrega
das propostas da PR-323, para que ele tivesse tempo hábil de convencer o grupo
italiano a abrir mão do contrato. No diálogo, o braço-direito de Beto
Richa parecia empenhado em resolver o imbróglio para atender aos
interesses da Odebrecht. Por isso, foi solícito e prometeu encontrar uma forma
de postergar o prazo da licitação.
“Não sou bobo”
Quando
já havia um entendimento entre as partes, o chefe de gabinete do governador do
PSDB sugeriu que Rache se encontrasse com um representante da Odebrecht para,
enfim, fechar o acordo. Ao que Rache estrilou. E exigiu fazer o acerto
diretamente com o governo. “Não sou bobo. A gente precisa criar esse tipo
de coisa para ter a relação. Sendo um pedido daqui. Eu prefiro que esse pedido
seja daqui e não eu ficar trocando ficha, porque dessa forma eu tenho segurança
de que lá na frente eu passo a ter crédito. Resolvendo tudo aqui, sai como se
fosse uma determinação, é bem diferente do que ‘ó, tá combinado’”, disse o executivo.
O objetivo central da conversa, no entanto, foi plenamente atingido.
O
Grupo Bertin desistiu da obra, a Odebrecht acabou concorrendo sozinha e
vencendo a licitação da PR-323 em junho de 2014 – ou seja, quatro meses
depois do diálogo que a ISTOÉ traz agora à tona. Em troca do bilionário
contrato, com duração de 30 anos, a Odebrecht teria acertado o repasse de R$
4 milhões, via caixa 2, para a campanha de reeleição de Beto Richa em
2014. É o que investiga o inquérito hoje nas mãos de Sergio Moro, agora
reforçado pelas novas revelações de ISTOÉ. Embora o contrato tivesse sido
assinado com a Odebrecht, como mandava o figurino, a obra não saiu do papel.
Mas
o dinheiro para Beto Richa já estava carimbadíssimo. Do total de R$ 4 milhões,
R$ 2,5 milhões foram pagos, segundo informou Benedcito Barbosa, ex-presidente
da Odebrecht Infraestrutura, em delação premiada. De acordo com Benedicto, os
R$ 2,5 milhões seriam lançados futuramente como despesa no projeto de
duplicação da PR-323.
Ouvidos
por ISTOÉ, Deonilson Roldo e Beto Richa rechaçaram qualquer direcionamento para
a Odebrecht. O ex-chefe de gabinete de Beto Richa confirma o encontro com o
empreiteiro, não nega que a voz nos diálogos seja dele, mas argumenta que a
gravacão foi editada. Garante ter dito que o “governo tinha um
compromisso com a região (noroeste do Paraná)”, não com a Odebrecht. O
Ministério Público do Paraná, de posse de uma cópia do áudio, diz que aguarda o
original da gravacão para solicitar uma perícia. O desenrolar dos fatos, no
entanto, deixa claro que havia mesmo um acerto do governo Richa com a
empreiteira. Tanto que o grupo Bertin saiu mesmo do páreo, como queria
Deonilson, e a Odebrecht venceu a licitação. Mais do que isso: por ter levado a
obra da PR-323, a empreiteira recompensou Richa com R$ 2,5 milhões via
caixa dois para sua campanha à reeleição, segundo depoimento de um
executivo da própria Odebrecht. Ou seja, os áudios fornecem robustez à
denúncia, ao contribuir para fechar o quebra-cabeças que liga o governo do
Paraná à negociata com a Odebrecht. Se o ex-governador Beto Richa já estava
encalacrado, agora ele ganhou mais um motivo para se preocupar.
O áudio
Em
conversa, hoje em poder do Ministério Público Federal, mantida em fevereiro de
2014 com Pedro Rache, presidente da construtora Contern, do grupo Bertin,
o então chefe de gabinete e braço direito do governador Beto Richa (PSDB),
Deonilson Roldo, tenta convencer o empreiteiro a abrir mão de
sua participação na obra da duplicação da PR-323 (PPP 323) em favor da
Odebrecht. Em troca, Roldo oferece à Contern a construção de seis térmicas
do complexo Aratu, tocado pela Copel (Companhia Paranaense de Energia). A
Odebrecht, de fato, acabou assumindo sozinha as obras da PPP 323. O contrato
foi assinado em junho de 2014 – um negócio de R$ 7 bilhões que previa 30
anos de concessão da estrada e obras de duplicação. Em
contrapartida, a Odebrecht teria pago R$ 2,5 milhões em propinas
para a campanha da reeleição de Beto Richa.
Pedro RacheEu tenho planos fortes. Trabalhei muito. Estou
trabalhando, claro que a gente trabalha de uma maneira bem discreta. Mas
estou com a proposta pronta. To com ela pronta para entregar agora.
Deonilson RoldoMas a gente tem um compromisso nessa obra aí. Queria ver até
onde a gente pode entrar pra que esse compromisso não seja desrespeitado.
Pedro RacheEu hoje tava bem preparado, estou bem preparado
pra entrar aí. Eu tenho um grupo italiano, que trabalha comigo.
Deonilson RoldoEu te perguntei do assunto Copel porque
está em andamento hoje à tarde, está tendo uma reunião na Copel aqui e o
grupo tem uma negociação com a Copel em andamento… pra fechar até o final de
março com uma possibilidade grande de fechar. É um negócio de R$ 500
milhões mais ou menos. São seis térmicas do complexo Aratu que a Copel
está negociando.
PedroSe eu posso compor. Mas é o que eu falei: Eu tenho que levar no
grupo primeiro.
Deonilson RoldoVocê tem condição de conversar com
uma pessoa agora, saindo daqui?
Pedro RacheSem problema nenhum.
Deonilson Roldoda Odebrecht.
Pedro RacheDeixa eu explicar uma coisa. Eu não quero
atender a Odebrecht, eu quero atender o governo, é diferente. Eu tenho uma
história com a Odebrecht, passei muita dificuldade (…) A proposta está pronta.
Não estou aqui de conversa, não tenho essa característica (…) Não sou bobo. A
gente precisa criar esse tipo de coisa pra ter a relação. Sendo um pedido
daqui. Eu prefiro que esse pedido seja daqui e não eu ficar trocando ficha,
porque dessa forma eu tenho segurança de que lá na frente… eu passo ter o
crédito, de uma maneira ou de outra, mas eu também fico com crédito com
eles através daqui e não através deles. Resolvendo tudo aqui, sai como se
fosse uma determinação, é bem diferente do que ‘ó tá combinado’.
Deonilson RoldoInternamente, você tem como ver no
grupo que tem esse outro assunto.
Pedro RacheVoltando já faço isso rapidamente.
Deonilson RoldoUma coisa facilita a outra.
Pedro RacheSó pra eu me situar: dentro desse processo, to
falando da Copel dos 500 milhões, seria já como se fosse um equilíbrio com o
consentimento…
Deonilson RoldoA negociação tá em curso na Copel,
as tratativas começaram e a gente tem a possibilidade de dizer assim:
‘ok, vamos fazer já’.
Pedro RachePorque aí eu preciso colocar isso pro outro lado
e ver a posição dessa parte do grupo, de energia.
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